terça-feira, 4 de setembro de 2012

Sobre os Grilos


 Eu estava caminhando em volta de uma lagoa cheio de grilos na cabeça. Começo assim para ilustrar uma situação que aconteceu mesmo, embora eu ache uma injustiça a relação – já meio fora de uso - de grilos com pepinos e porque uns grilos de verdade vão aparecer daqui a pouco. É comum também usar minhocas para explicar isso, então eu poderia ter começado dizendo que estava cheio de minhocas na cabeça. Eu acho isso muito estranho. O que as minhocas tem a ver? É até possível estabelecer um paralelo com alguém que não gosta do som dos grilos (bom sujeito não é) e resolveu associá-lo com turbulências pessoais. Mas e as minhocas, qual a relação e de que forma isso se refere a alguém que está encanado com algo? Deve ser a imagem dos pensamentos inquietos rondando sorrateiramente pelo cérebro tal qual o trajeto subterrâneo das minhocas. Pensando bem, há diferença entre estar com grilos e com minhocas na cabeça. Os grilos tem uma origem mais pessoal, são geralmente resultado de divagações, quando não sinônimo das próprias. As minhocas não! As minhocas tem origem externa: “tá colocando minhoca na cabeça dele”. Ou seja, é imprescindível que alguém introduza as minhocas, são resultado de ideias plantadas por outro que de alguma forma implicarão em algum abalo no receptor.

Chamavam os hippies de bicho-grilo. Eu não sei e não quero saber a razão disso; não tenho absolutamente nada contra hippies, esse apelido é que me parece pejorativo. Enfim. A questão é que eu gosto de grilos. Dos bichos. Acho muito agradável o som dos grilos, é algo que remete ao bucólico, ao aconchego do lar, a lembrança de algum começo de noite onde, depois de um dia inteiro percorrendo trilhas no meio do mato, o sujeito está exausto e feliz, encosta na varanda da fazenda olhando as estrelas enquanto os grilos preenchem a noite com sua melodia. Lindo, né? Só que os grilos também são utilizados para outras finalidades. Quando o camarada quer dar um aspecto envelhecido a um papel, coloca ele dentro de uma caixa cheia de grilos, algum tempo depois o papel fica com jeito de décadas. O leitor de bom coração vai ler isso e pensar em aplicar a técnica em fotografias, cartões de aniversário, etc... Eu já fui assim. Acontece que esse expediente era muito utilizado para falsificar documentos, sobretudo títulos de propriedade, e daí que o termo grilagem seja associado a ocupação ilegal de terras, prática amplamente utilizada aqui no Brasa e que pode incluir até a fazenda liricamente acima citada.

É esse o problema. Ou o desafio: buscar lirismo no meio de tanta canalhice. Os grilos deveriam ter entrado neste texto de outra forma: eu caminhava pela lagoa, sem rumo, apenas acompanhado de pensamentos meio preocupados, anoitecia, e quando eu cheguei em um trecho cuja beirada tem uma gramado, revelou-se a algazarra dos grilos e me passou uma sensação muito confortável. A cidade e suas buzinas engarrafadas eram só um fundo distante e, para completar, uma garça sensata, pousada em um tronco, descansava de tudo. Dava pra ficar contente com isso, por estar num lugar que possibilita que uma imagem dessas apareça. Mas o que é que eu vou fazer se quando vou contar isso aqui, a sensação que prevalece é de que aqueles grilos são provavelmente descendentes de uns falsificadores (involuntários, é verdade) que ajudaram a roubar muito terreno onde hoje ficam umas mansões suspeitas em volta ali daquela lagoa mesmo? Talvez a resposta esteja na garça, tenho que pensar sobre isso.